25 de janeiro de 2011

Eu sou um assaltante?

Por Cleo Freitas

Participei recentemente de um evento para educadores coroataenses que reúne anualmente além de professores, empresários e sociedade em geral. Os convites são disputados a tapas pelos demais mortais que, como eu, não se enquadram nas categorias citadas anteriormente.

Nesta edição do evento uma dupla de comediantes foi contratada para animar a festa. Eu estava me divertindo. Uma das esquetes apresentadas tirou-me, de súbito, do meu estado de diversão. A cerimonialista anunciou que a dupla encenaria a diferença entre um assalto em São Luís – MA e no Rio de Janeiro – RJ.

Início da cena. Reggae. Funk. Para a minha surpresa a camisa do assaltante estampava nas costas em letras garrafais “100% HIP HOP” e no peito, em letras menores, “Racionais Mc’s” (meu grupo de RAP favorito). Em cena dois caras brancos, possivelmente de classe média dentro dos nossos padrões, dramatizando (à sua maneira) um ato de violência.

A caracterização do assaltante me ofendeu. Eu curto HIP HOP, eu sou um assaltante? Quando os atores desceram do palco eu os esperava pronto para briga. Quis saber dos jovens artistas o que os levou a rotulação do assaltante como integrante do movimento cultural que defendo. Não poderia este assaltante apreciar jazz, rock, samba, pagode etc? Suas explicações foram infundadas, baseadas em seus (pré-)conceitos sobre a violência social e a imagem que muitos têm do HIP HOP. Mesmo após o surgimento do HIP HOP midiático e mercadológico esta visão deturpada não mudou.

Após argumentar solicitei a eles que, na próxima apresentação, fosse retirada a peça do vestuário do personagem (que não tem necessidade de ser rotulado como pertencente a este ou aquele estilo de viver, não é mesmo?).

Desde o princípio do seu surgimento o HIP HOP tem sido visto com maus olhos por aqueles que não compartilham da nossa realidade social, da realidade dos que construíram e constroem este movimento.

Ainda tem muita gente que pensa que todo favelado é marginal, que o rap é o abecedário para o crime (o que vamos fazer para mudar esta visão, ou melhor, o que estamos fazendo?).

Há alguns anos o HIP HOP, com seus quatro elementos (cinco, nove, que sejam) vem contribuindo para amenizar a realidade social nos guetos, mudar a vida de crianças, adolescentes e jovens, sendo uma alternativa ao crime, como temos visto no trabalho desenvolvido pela Central Única das Favelas – CUFA em todo o país.

O HIP HOP com seus elementos culturais tem proporcionado lazer, tem gerado renda, tem colorido ainda mais os Brasis e, principalmente, tem sido a cara e o grito de uma enorme parcela de pessoas que a sociedade (e nós não somos sociedade?) tem, a todo custo, tentado excluir e marginalizar. Nós estamos resistindo. Nós estamos mostrando a nossa força e o nosso talento.

O HIP HOP é, queiram ou não queiram, um elemento de transformação social que, felizmente, o governo brasileiro (na gestão do presidente Lula) tem incentivado o seu desenvolvimento. A atenção governamental a esta manifestação cultural dos menos favorecidos tem sido criticada por alguns membros da elite brasileira (puro neoliberalismo, o fascismo de outrora). Adiante. Vamos seguindo o nosso bonde, construindo um mundo com a beleza das cores do graffite, da poesia do RAP, da dança performática dos b. boys (e b. girls), tudo isso embalado pelo improviso dos nossos DJs (improvisar é imitar a vida).

Eu sou 100% HIP HOP, mas nunca assaltei ninguém.

16 de janeiro de 2011

Bandido bom é bandido morto?

Texto da estréia de Celso Athayde no Yahoo! Colunas

Bom dia a todos e a todas. Hoje é minha estreia com vocês e provavelmente alguns dos que nos acompanham ao longo dos anos devem estar estreando aqui nesse espaço também. Por ser uma estreia, venho pensando sobre o que vou escrever. São mais de duas da manhã do dia 14, e a orientação é entregar estas linhas lá pelas 9 horas da matina!

O ideal seria um texto de apresentação, falando um pouco da nossa trajetória, considerando que ninguém nos conhece mesmo. Pensei em falar sobre as enchentes aqui do Rio de Janeiro. Acabei de ver na TV que mais de 800 cidades estão ilhadas e pedindo alguma ajuda do governo federal. Então, pensei em falar sobre essas tragédias anunciadas, talvez sobre a solidariedade do povo nesses momentos tristes…

Mas quando comecei a escrever, apareceu na TV a imagem de um caminhão parado no congestionamento. Vi bem rapidão, mas estava estampado um dito popular que sempre ganha força em momentos de tensão. Lá estava em letras garrafais: “BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO”.

Apesar de ter sido muito rápido, por estar escrito num caminhão, fiquei ali inerte, e me veio na mente um turbilhão de coisas. Inclusive coisas sobre um momento que estamos vivendo no Brasil. A imagem da TV passou, mudou o quadro, mas de toda maneira eu me projetei na boleia do possante. (Para terminar esse texto vou desligar a TV. Peraí. Só um minutinho… Assim é melhor, sem barulho, exceto o da chuva.)

Bem, essa frase me persegue e elege muita gente. Faz parte do cotidiano violento das grandes cidades e das pequenas por certo. O que impressiona é que eu também já me embalei com esse canto, e nunca percebi que, por trás dessa frase, existia uma carga enorme de preconceito racial. Pois quando se profere essa frase por unanimidade, se está falando de um único tipo de bandido.

A imagem do bandido surge no subconsciente coletivo: a figura de uma pessoa com estereótipo e fenótipo pré-concebido, o “marginal”, em geral, com ou sem camisetas, no tronco ou na cabeça, armado, abusado, com roupas folgadas, e negro. Observado esse fato, analisamos que, em grande medida, não existe outra forma aceitável para o senso comum de uma representação de “bandido” que não esta, talvez porque a mesma esteja ligada a áreas (margens, favelas) de um centro de poder, seja ele social, cultural, econômico, político, urbano, idealizado para manter de certa forma a estabilidade social por meio do caos.

Eu pelo menos nunca vi os defensores desse conceito saírem às ruas para pedir o fim da vida dos jovens de classe média que matam pessoas com golpes de lutas marciais nas ruas. Não imagino, por exemplo, que em casos como esses da Av. Paulista, em que jovens bandidos da pior espécie, apesar de serem chamados pela mídia de “estudantes” e não de “marginais”, sofram essas campanhas de morte por terem colocado em risco a vida de outras pessoas por puro preconceito. Nesses casos, há clamor por justiça, mas nunca por pena de morte. Em alguns casos, os pais desses jovens, refletindo parte do sentimento social, até acreditam que “isso é coisa de menino levado”.

Vou dar o último exemplo: nós que frequentamos as arquibancadas dos estádios sabemos o perfil dos jovens torcedores homicidas, sabemos que quem escapa nos fins de semana de jogos, das suas garras são, no mínimo, espancados por cometerem o único “crime” de estar na mesma rua que eles. Pois bem, nunca vi pedirem a morte desses moços! Nos valemos de recursos públicos do Ministério do Esporte e de secretarias estaduais para produzir e promover grandes campanhas para reeducar essas criaturas.

Ou ainda, quando o “mocinho” de terno e gravata querido por milhares é pego com as meias e os bolsos de seu paletó importado cheios de dinheiro público, pouco se vê a indignação popular. Seja nas ruas ou nas urnas, visto que logo ele é eleito novamente, sem ao menos ter sido julgado pelo crime que cometeu, validado pela imunidade parlamentar prevista no artigo 53, que, com a Emenda Constitucional nº. 35/2001, passa também a ser civil, ou seja, o “mocinho-bandido” não responde por seus danos morais ou materiais no exercício da sua função ou fora da casa legislativa.

Nesse drama encenado diariamente, o personagem do “bandido”, privado de todo e qualquer benefício da vida digna ou ao menos com o mínimo possível, lançado a toda sorte de azar sem ou quase sem nenhum referencial educacional, de família, de direitos e deveres, condicionado a viver sem perspectiva de melhora vida, se vê diante de caminhos traçados por “outros”, trilhando-os como saídas emergenciais da miséria iminente, sendo um deles o crime e o tráfico de drogas. Percebe-se, dessa forma, que o “errado” parece ser “certo” em determinadas situações, e o “bandido” vira “mocinho” para familiares ou para parte da comunidade em que reside.

Então, pergunto ao dono do caminhão: de qual bandido estamos falando? Dos pretos que estavam no Complexo do Alemão e que o Brasil ria ao os ver como alvo, como uma partida de vídeo-game? Ou bandido para o caminhoneiro é aquele que rouba dinheiro público e torna inviável a via pública, objeto inclusive de processos judiciais pela morte de milhares de pessoas e famílias inteira no trânsito brasileiro?

Não vou avançar porque tenho receio de que essa frase seja projetada na direção de prefeitos e governadores que, de forma irresponsável, submetem as cidades aos riscos dessas chuvas e ignoram a vulnerabilidade que todos sabemos que existem. É como se essas tragédias fizessem parte do nosso calendário espetacular de verão!

Não queria começar essa minha nova experiência com essa frase e muito menos pegando carona no caminhão de alguém. Porém, é importante refletir sobre esse tema, não apenas pelo conteúdo da frase, mas sobretudo refletir sobre o direito de todos. A única maneira de termos uma sociedade equilibrada é tratar todos os bandidos como iguais!

2 de janeiro de 2011

Nota de ano novo

A base da Central Única das Favelas - CUFA em Coroatá, tendo nascida em julho do ano de 2010, possui apenas começam a aparecer, graças ao esforço dos seus coordenadores e parceiros.

Para quem não teve a oportunidade de acompanhar de perto o trabalho significativo desenvolvido pela CUFA Coroatá – embora muitas vezes pareça invisível - pode conferir o Relatório de Atividades 2010 da organização.

Finalizamos as atividades do ano de 2010 dentro da nossa expectativa de resultados, ou até mesmo além, já que ainda estamos no processo inicial: implantação da base, de reconhecimento do nosso público-alvo, da formação de quadros de colaboradores e instituição das parcerias necessárias para que possamos fazer o nosso trabalho pelo desenvolvimento cultural e social das pessoas das comunidades populares coroataenses.

Relatório de Atividades 2010.

Feliz 2011 aos nossos colaboradores, parceiros e ao povo da periferia.

Cleo Freitas – Coordenador Executivo
Daniel Viana – Coordenador Financeiro
Jairo Cardoso – Coordenador Administrativo
Jefferson Gotardo e Tiago Tarso – Frente de Hip Hop