16 de janeiro de 2011

Bandido bom é bandido morto?

Texto da estréia de Celso Athayde no Yahoo! Colunas

Bom dia a todos e a todas. Hoje é minha estreia com vocês e provavelmente alguns dos que nos acompanham ao longo dos anos devem estar estreando aqui nesse espaço também. Por ser uma estreia, venho pensando sobre o que vou escrever. São mais de duas da manhã do dia 14, e a orientação é entregar estas linhas lá pelas 9 horas da matina!

O ideal seria um texto de apresentação, falando um pouco da nossa trajetória, considerando que ninguém nos conhece mesmo. Pensei em falar sobre as enchentes aqui do Rio de Janeiro. Acabei de ver na TV que mais de 800 cidades estão ilhadas e pedindo alguma ajuda do governo federal. Então, pensei em falar sobre essas tragédias anunciadas, talvez sobre a solidariedade do povo nesses momentos tristes…

Mas quando comecei a escrever, apareceu na TV a imagem de um caminhão parado no congestionamento. Vi bem rapidão, mas estava estampado um dito popular que sempre ganha força em momentos de tensão. Lá estava em letras garrafais: “BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO”.

Apesar de ter sido muito rápido, por estar escrito num caminhão, fiquei ali inerte, e me veio na mente um turbilhão de coisas. Inclusive coisas sobre um momento que estamos vivendo no Brasil. A imagem da TV passou, mudou o quadro, mas de toda maneira eu me projetei na boleia do possante. (Para terminar esse texto vou desligar a TV. Peraí. Só um minutinho… Assim é melhor, sem barulho, exceto o da chuva.)

Bem, essa frase me persegue e elege muita gente. Faz parte do cotidiano violento das grandes cidades e das pequenas por certo. O que impressiona é que eu também já me embalei com esse canto, e nunca percebi que, por trás dessa frase, existia uma carga enorme de preconceito racial. Pois quando se profere essa frase por unanimidade, se está falando de um único tipo de bandido.

A imagem do bandido surge no subconsciente coletivo: a figura de uma pessoa com estereótipo e fenótipo pré-concebido, o “marginal”, em geral, com ou sem camisetas, no tronco ou na cabeça, armado, abusado, com roupas folgadas, e negro. Observado esse fato, analisamos que, em grande medida, não existe outra forma aceitável para o senso comum de uma representação de “bandido” que não esta, talvez porque a mesma esteja ligada a áreas (margens, favelas) de um centro de poder, seja ele social, cultural, econômico, político, urbano, idealizado para manter de certa forma a estabilidade social por meio do caos.

Eu pelo menos nunca vi os defensores desse conceito saírem às ruas para pedir o fim da vida dos jovens de classe média que matam pessoas com golpes de lutas marciais nas ruas. Não imagino, por exemplo, que em casos como esses da Av. Paulista, em que jovens bandidos da pior espécie, apesar de serem chamados pela mídia de “estudantes” e não de “marginais”, sofram essas campanhas de morte por terem colocado em risco a vida de outras pessoas por puro preconceito. Nesses casos, há clamor por justiça, mas nunca por pena de morte. Em alguns casos, os pais desses jovens, refletindo parte do sentimento social, até acreditam que “isso é coisa de menino levado”.

Vou dar o último exemplo: nós que frequentamos as arquibancadas dos estádios sabemos o perfil dos jovens torcedores homicidas, sabemos que quem escapa nos fins de semana de jogos, das suas garras são, no mínimo, espancados por cometerem o único “crime” de estar na mesma rua que eles. Pois bem, nunca vi pedirem a morte desses moços! Nos valemos de recursos públicos do Ministério do Esporte e de secretarias estaduais para produzir e promover grandes campanhas para reeducar essas criaturas.

Ou ainda, quando o “mocinho” de terno e gravata querido por milhares é pego com as meias e os bolsos de seu paletó importado cheios de dinheiro público, pouco se vê a indignação popular. Seja nas ruas ou nas urnas, visto que logo ele é eleito novamente, sem ao menos ter sido julgado pelo crime que cometeu, validado pela imunidade parlamentar prevista no artigo 53, que, com a Emenda Constitucional nº. 35/2001, passa também a ser civil, ou seja, o “mocinho-bandido” não responde por seus danos morais ou materiais no exercício da sua função ou fora da casa legislativa.

Nesse drama encenado diariamente, o personagem do “bandido”, privado de todo e qualquer benefício da vida digna ou ao menos com o mínimo possível, lançado a toda sorte de azar sem ou quase sem nenhum referencial educacional, de família, de direitos e deveres, condicionado a viver sem perspectiva de melhora vida, se vê diante de caminhos traçados por “outros”, trilhando-os como saídas emergenciais da miséria iminente, sendo um deles o crime e o tráfico de drogas. Percebe-se, dessa forma, que o “errado” parece ser “certo” em determinadas situações, e o “bandido” vira “mocinho” para familiares ou para parte da comunidade em que reside.

Então, pergunto ao dono do caminhão: de qual bandido estamos falando? Dos pretos que estavam no Complexo do Alemão e que o Brasil ria ao os ver como alvo, como uma partida de vídeo-game? Ou bandido para o caminhoneiro é aquele que rouba dinheiro público e torna inviável a via pública, objeto inclusive de processos judiciais pela morte de milhares de pessoas e famílias inteira no trânsito brasileiro?

Não vou avançar porque tenho receio de que essa frase seja projetada na direção de prefeitos e governadores que, de forma irresponsável, submetem as cidades aos riscos dessas chuvas e ignoram a vulnerabilidade que todos sabemos que existem. É como se essas tragédias fizessem parte do nosso calendário espetacular de verão!

Não queria começar essa minha nova experiência com essa frase e muito menos pegando carona no caminhão de alguém. Porém, é importante refletir sobre esse tema, não apenas pelo conteúdo da frase, mas sobretudo refletir sobre o direito de todos. A única maneira de termos uma sociedade equilibrada é tratar todos os bandidos como iguais!

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